segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O drama de Belo Monte

Hidrelétrica no rio Xingu, no Pará, é fonte de polêmica. Quem é contra diz que ela vai degradar o meio ambiente e destruir o modo de vida local. Quem é a favor acha possível trazer o desenvolvimento.
Alexandre Rocha, enviado especial alexandre.rocha@anba.com.br
Altamira, Pará – A construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, projetada para ser a terceira maior do mundo, atrás apenas de Três Gargantas, na China, e de Itaipu, na fronteira do Brasil com o Paraguai, é fonte de polêmica há anos e promete continuar a ser por muito tempo.
Alexandre Rocha/ANBA Alexandre Rocha/ANBA
Operários fazem sondagem no local da futura obra


De um lado está o governo federal, que nos últimos anos aplicou intenso capital político na realização da obra, o que resultou na aprovação da licença prévia do projeto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e na realização, em abril, do leilão que definiu o consórcio de empresas responsável pela instalação e operação da usina.

De outro estão movimentos sociais, a igreja, indígenas, ambientalistas, pequenos agricultores e habitantes das margens do rio Xingu, local do empreendimento, que alegam que a hidrelétrica vai degradar o meio ambiente da região e destruir o modo de vida de boa parte da população.

No centro estão prefeituras, empresários e entidades da sociedade civil que são favoráveis à usina, mas querem o cumprimento, por parte do governo e da Norte Energia, companhia formada pelos ganhadores do leilão, de uma série de condições que garantam o desenvolvimento da região.

Segundo a coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antonia Melo, a usina, se construída, vai causar seca na chamada Volta Grande, imensa curva que o rio faz entre os municípios de Altamira e Vitória do Xingu, por causa da instalação da barragem principal mais acima, o que afetaria diretamente duas terras indígenas: Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu.

Além disso, o projeto prevê a construção de um canal e formação de um reservatório, que praticamente vão ligar as duas pontas da Volta Grande com um novo curso de água, inundando áreas ocupadas por pequenos agricultores, que terão de ser reassentados. Parte da área urbana de Altamira também será alagada e os moradores desses locais vão ter que se mudar.
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Sheyla: desencanto com o governo


Antonia diz ainda que a redução do fluxo na parte original do rio vai criar pontos de água parada, condição ideal para a proliferação de mosquitos que causam a malária e outras doenças. “[A usina] vai trazer para eles (os habitantes das margens do rio) a morte”, resumiu ela. “Nossa reivindicação é de que não haja a obra”, acrescentou.

No mesmo sentido, Sheyla Yakarepi Juruna, da comunidade indígena Juruna que fica em Vitória do Xingu, disse que teme pelo futuro de seus dois filhos com a construção da obra. “Há muita ilusão na história e muitos parentes (outros índios) não têm consciência disso”, afirmou ela, que chegou a chorar quando conversava com a reportagem da ANBA e outros jornalistas que integram a Jornada E.torQ Amazônia, viagem de carro de São Paulo ao Pará organizada pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros e patrocinada pela FPT, fábrica de motores da Fiat.

Sheyla guarda forte mágoa do governo que, em sua opinião, deveria defender os índios. “É muito triste ver o nosso governo fazendo isso”, declarou. “Para nós, o legal (o lícito) seria [a obra] não acontecer, mesmo com as condicionantes”, acrescentou.

As condicionantes foram estabelecidas na licença prévia do Ibama e envolvem a garantia da qualidade da água, investimentos em saúde, saneamento e educação, garantia de continuidade da navegação, meio de transporte essencial na região, entre várias outras.

Nesta terça-feira (12), o grupo de jornalistas desceu o rio de barco, a partir da Altamira, até o ponto onde deve ser construída a barragem principal, a ilha do Pimental. No trajeto, conversou com moradores da região, como o piloto da voadeira alugada, Joãozinho, que afirmou ser totalmente contra o projeto. “Rapaz, vai alagar tudo”, declarou.
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Seu Alexandre é totalmente contra a obra


Dono de um sítio na beira do rio, o agricultor José Alexandre da Silva Balão, disse que “tem fé” que o projeto não saia do papel. “Só me entrego no último recurso”, afirmou ele, que pendurou em uma árvore uma placa dizendo: “Não quero a barragem de Belo Monte”.

Nascido e criado na região e morando no mesmo lugar há 14 anos, Alexandre disse que “pode não ter dinheiro, mas tem liberdade”. “A gente vive desse rio, pega o peixe para comer e água para tomar banho e para beber”, destacou. O rio é também fonte de lazer para os ribeirinhos. É comum encontrar crianças nadando e brincando nas águas que ajudam a refrescar o calor que facilmente passa dos 40 graus.

Na defesa dos direitos da população, o Ministério Público Federal tem exercido um papel importante. De acordo com o procurador da República em Altamira, Cláudio Amaral, o órgão acompanha o projeto “desde o nascedouro”. Já foram propostas nove ações civis públicas, duas das quais geraram liminares recentes que chegaram a suspender a licença prévia às vésperas do leilão, mas que depois foram derrubadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.

Agora, a Procuradoria vai enviar novas recomendações ao Ibama, antes que o órgão dê a licença de instalação da usina, entre elas a exigência de que a Norte Energia realize ações antecipadas para garantir a infraestrutura necessária para acomodar as milhares de pessoas que vão migrar para a região por conta da obra. A previsão é de que a população vai crescer em 100 mil indivíduos, mais ou menos o número atual de habitantes de Altamira. “Sabendo que vem tanta gente para cá, a cidade tem que ter infraestrutura de saúde, saneamento, etc.”, afirmou Amaral.
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Amaral diz que a população tem que ser ouvida


Ele destaca também a necessidade de investimentos nas áreas de educação e segurança pública, pois já é crescente o número de furtos e roubos no município. Amaral listou outros temas que já foram questionados pelo MPF, como problemas na realização de audiências públicas, a poluição da água pela putrefação da floresta submersa e a própria viabilidade do empreendimento.

“O Ministério Público não é contra [a obra], mas fizemos análises técnicas. Para nós, os fundamentos [dos questionamentos] são consistentes, tanto é que o juiz [federal de Altamira] deu as liminares”, declarou. “As coisas estão muito atropeladas, queremos que [o processo] seja feito com calma, ouvindo a população”, acrescentou.

Contra apagão

O governo alega que a usina é necessária para evitar apagões no país. Uma das apostas é o inverno amazônico, época das fortes e constantes chuvas, que supera em meses a temporada chuvosa no resto do país. Dessa forma, enquanto os reservatórios de outras usinas estiverem baixos, Belo Monte ainda terá capacidade para gerar um alto nível de energia. A previsão é de que o empreendimento de R$ 19 bilhões tenha 11.233 megawatts de capacidade instalada e 4.428 de produção média, considerando o período de cheia e o de estiagem, mas até isso é fonte de debate entre as partes envolvidas.

Fontes ligadas às empresas que formam a Norte Energia, disseram à ANBA que o canal e o reservatório entre a barragem e casa de força vão ser criados em um terreno com 90 metros de queda, o que permitirá o uso de um menor volume de água para fazer mover as turbinas, ao contrário de outras usinas.

Além disso, o fluxo de água na parte original da Volta Grande não será interrompido, mas reduzido, e os dois afluentes do Xingu na área, o Bacajá e o Bacajaí, vão suprir parte dessa perda. Será também criado outro canal, próximo à barragem, para garantir a navegação, e as áreas de floresta a serem alagadas vão ser desmatadas para evitar o apodrecimento das árvores.

Na seara das indenizações aos atingidos, o consórcio promete, no mínimo, a transferência para um terreno de 300 metros quadrados, com uma casa de alvenaria de 60 metros quadrados, para os habitantes das áreas urbanas, já os casos da área rural serão analisados um a um. Os índios, na visão dos empreendedores, não serão significativamente atingidos.

A ideia é que Belo Monte seja um novo modelo, diferente das hidrelétricas construídas anteriormente, com menor impacto ambiental e social. Mas a desconfiança sobre o cumprimento dos acordos é total entre os que se colocam contra. A usina deve atingir diretamente pelo menos 20 mil pessoas, ou até 50 mil, segundo Antonia Melo.

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Sandra: 'Cabe a nós fiscalizar'
Os defensores dizem que o passado não pode servir de exemplo, pois outras grandes usinas como Tucuruí, no próprio Pará, e Itaipu, foram construídas em um contexto diferente, durante o regime militar, quando não havia preocupação com a sustentabilidade.

“O impacto será menor do que há 30 anos”, disse a secretária executiva do Consórcio Belo Monte, associação que reúne 11 municípios da região, Sandra Xavier. “As famílias remanejadas terão qualidade de vida superior”, destacou.

Nesta quinta-feira (14), ela e outras lideranças locais vão estar em Belém, capital do estado, para se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vai assinar um Projeto de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS), previsto no edital de licitação da obra, em que a Norte Energia, em parceria com os governos federal e estadual, se compromete a destinar R$ 500 milhões para regulação fundiária e ambiental, recuperação e construção de estradas vicinais, infraestrutura, setor agropecuário, saneamento, saúde e educação.

Só a usina não resolve

De acordo com o coordenador do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu (Fort Xingu), que reúne empresários e representantes da sociedade civil, Vilmar Soares, estão previstos também investimentos de R$ 3,34 bilhões no cumprimento das condicionantes para obtenção das licenças, além do comprometimento do governo no asfaltamento da Transamazônica, orçado em R$ 1,2 bilhão, e na eletrificação rural, com custo de R$ 872 milhões.

“Só Belo Monte não resolve, pois queremos resolver problemas fundamentais da região”, afirmou Soares. Para ele, só compensa fazer a usina se houver todo o investimento prometido nas áreas de infraestrutura, ambiental e social.
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Soares: só a usina não adianta


Outra questão que preocupa é a da geração de empregos. Está prevista a criação de 18 mil postos de trabalho diretos e 28 mil indiretos por conta da usina. A percepção, tanto entre os que são contra, como os que são a favor, é que não há na região mão de obra qualificada, então haverá necessidade de trazer trabalhadores de outros locais do país. Só em Altamira, existem hoje cerca de 20 mil desempregados. Nesse sentido, existe pressão para a implementação de programas de qualificação.

Sandra e Soares dizem que a garantia para população é aquilo que está escrito no papel e que, em caso de descumprimento por parte do governo e empresas, pode ser exigido na Justiça. No mais, cabe a pressão popular. “Nem todo mundo pode estar do mesmo lado, se não fosse por aqueles que são contra [a hidrelétrica], não chegaríamos aos valores que chegamos”, afirmou Soares. “Cabe a nós fiscalizar, cobrar, está no papel e tem que ser cumprido”, acrescentou Sandra

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